sábado, março 14, 2015

HÁ TRINTA ANOS


 


 

Há exatamente trinta anos, neste dia 14 de março, nos preparávamos para entregar o Governo à Oposição.

Era o fim de um processo iniciado em 1964 concluído com a realização do propósito inarredável do Presidente Figueiredo, que em 15 de março de 1979, sendo o último dos generais no poder, assumiu a Presidência da República jurando fazer do Brasil uma democracia.

Nada mais explicito que sua frase, ao ser questionado sobre a abertura política: "É para abrir mesmo. Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!".

OS FATOS.

Em 28 de agosto de 1979 é sancionada a lei 6683, que concede Anistia aos cassados pelo regime militar.

No dia 22 de novembro de 1979 é aprovada a reforma política que restabelece o pluripartidarismo, com extinção do MDB e da ARENA desengessando a política. Possibilitando a existência de outras legendas, entre elas o PT de Lula e o PDT de Brizola. A medida foi muito criticada pelos líderes do MDB, classificada, como uma manobra do governo para dividir a oposição e impedir grandes vitórias de um "MDB unido".

As eleições de 1982, mostraram um novo quadro político. Esse quadro político eleito seria o responsável pela transição democrática, inclusive pela eleição por Colégio Eleitoral do novo Presidente da República, isto era evidente e claro e legitima a eleição de Tancredo, bem como justifica a rejeição Emenda Dante, pois esta significaria uma ruptura de um direito.

Foi disputada por apenas cinco partidos: PDS, sucedâneo da ARENA; PMDB, PDT e PTB, frações do velho PTB getulista, e o PT, que abrigou diversas facções esquerdistas e sindicalistas.

A maior surpresa foi a eleição de Leonel Brizola (PDT) no Rio de Janeiro, com cerca de 34% dos votos, batendo Moreira Franco (PDS) por cerca de 200 mil votos, e outros três candidatos: Miro Teixeira (PMDB), Sandra Cavalcanti (PTB) e Lysâneas Maciel (PT.

A vitória do PMDB em 09 estados foi garantida pela fusão do PMDB com o Partido Popular (PP), como em Minas, beneficiando Tancredo Neves (PMDB), que derrotou Eliseu Resende (PDS) por pequena margem de votos. O PDS surpreendeu no Rio Grande do Sul com Jair Soares (PDS) ganhando o Governo pela divisão de votos entre PMDB de Pedro Simon e PDT de Alceu Collares, e em Pernambuco, com a vitória de Roberto Magalhães do PDS sobre Marcos Freire (PMDB).

Em São Paulo, nenhuma surpresa, com a vitória do peemedebista Franco Montoro sobre Reynaldo de Barros (PDS), Jânio Quadros (PTB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Franco Montoro, inicia um governo e um processo político. Associado a Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros, este processo resultará na formação do que será no futuro o PSDB, foi fundamental pelo apoio a Campanha pelas eleições diretas e a formação de uma nova geração política.

No Congresso o PDS manteve a maioria o que lhe garantia a Vitória no Colégio eleitoral, que por direito, dois anos após elegeria o Presidente da República.

Em 1984, com extremistas da chamada "linha dura" manobrando, frontalmente contra o projeto de democracia do Presidente Figueiredo, se iniciou a campanha chamada de "Diretas já". Esta tinha como mote a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional do Deputado Dante de Oliveira. Apesar da intensa mobilização popular, com comícios em todo o país, faltaram 12 votos para atingir a maioria de 2/3 necessária e a proposta não foi aprovada na Câmara dos Deputados em 25 de abril de 1984.

Talvez este tenha sido o fato marcante de todo o processo. Se aprovada a Emenda Dante, seria imprevisível a reação da ainda ativa "linha dura" e o processo eleitoral que viria, como ficou demonstrado na primeira eleição direta, seria imprevisível.

Por outro lado a mobilização popular e a interação de diversos segmentos da sociedade, promoveu o aparecer dos políticos e dos partidos que até hoje são os protagonistas da política democrática brasileira.

O Governo também sentiu as "Diretas Já" e em junho de 1984 enviou ao Congresso uma nova proposta de emenda constitucional, a emenda Leitão, também conhecida como emenda Figueiredo.

A proposta definia as eleições diretas em 1988, mantidas as eleições pelo colégio eleitoral em 1984, já que isso, segundo o entendimento constitucional da época, era um direito inalienável do Colégio Eleitoral eleito em 1982.

A oposição no entanto já tinha feito seu papel na mobilização das "Diretas Já", estava satisfeita, já acreditava na possibilidade de vitória no Colégio Eleitoral e se articulava com os diversos "Presidenciáveis" (vide quantos participaram do Governo da Nova República), então fez uma manobra contrária, apresentando uma sub emenda, mudando a data do pleito, colocando novamente as eleições diretas imediatamente. O governo, como era previsível, então retirou a emenda.

Finda a ilusão das diretas, as atenções se voltaram para as definições ao colégio eleitoral. No PDS toda uma sorte de pré-candidatos se presentava, quatro eram mais evidentes, Marco Maciel, Paulo Maluf, o então vice-presidente Aureliano Chaves e Mario Andreazza.

Maluf já dominava o partido. Instalado em Brasília, com uma casa no Lago Sul QL-12 (A Muralha) promovia, a sua maneira, toda a sorte de conchavos e articulações. O Governo sentiu, o SNI, com o General Medeiros a frente, informou ao Presidente Figueiredo, que na forma em que se encaminhavam as coisas, seria impossível evitar uma vitória de Maluf no Colégio Eleitora, isto inaceitável para os militares. Para resolver a situação, o presidente Figueiredo propõe ao PDS, através de seu presidente, José Sarney, que antes da convenção, fossem feitas eleições primárias em todos os diretórios do PDS, visando indicar para a convenção o candidato mais popular no partido. Paulo Maluf, que já dominava a agremiação, reage e se manifesta contrário às prévias, dizendo que seria mero casuísmo de seus adversários.

A proposta é derrotada na reunião do PDS convocada de forma atabalhoada para deliberar sobre as prévias. Sarney então, para: "preservar a unidade do partido" se desliga da presidência e articula, com outros descontentes, as mais diversas soluções. Chegam a propor ao Presidente Figueiredo a prorrogação de seu mandato, proposta que ele rejeita de forma peremptória: "nesta linha prefiro fazer o Tancredo Presidente", disse. O certo era que, para o Presidente Figueiredo e para os militares comprometidos com o processo de democratização, qualquer solução que o PDS apresentasse seria aceita, menos Maluf. Assim com as bênçãos do Planalto a Frente Liberal nasceu.

Enquanto Tancredo acordava com Aureliano Chaves, Sarney articulava com o deputado Ulysses Guimarães e o então senador Fernando Henrique Cardoso, dando demonstrativos de que dentro do PDS se poderia apoiar um candidato da oposição a Maluf.

Na época o Deputado Nelson Marchezan (PDS – RS) Líder do Governo na Câmara dos Deputados chegou a ser sondado para vice de Tancredo e declinou alegando incoerência partidária, mas votou em branco no Colégio Eleitoral.

No dia 29 de junho os governadores do PMDB reúnem-se em Brasília e lançam Tancredo Neves como pré-candidato. No dia 3 de julho a bancada do PDS contrária a Maluf passa a atuar no congresso como bloco parlamentar de oposição. Aureliano Chaves e Marco Maciel desistem, então de disputar a vaga de candidato do PDS na convenção do partido.

No dia 14 de julho foi realizada uma reunião no palácio Jaburu, sede da vice-presidência da República, entre representantes do PMDB e da Frente Liberal do PDS, onde ficou acertada a composição da chapa Aliança Democrática para enfrentar o PDS de Maluf no colégio eleitoral. No dia 7 de agosto, nova reunião definiu que caberia à Frente Liberal indicar o vice-presidente na chapa. José Sarney acabou o escolhido, apesar de que para Tancredo este não fosse o vice dos sonhos. Ulysses Guimarães ficou com a coordenação da campanha.

No dia 11 de agosto, o PDS realizou sua convenção e Paulo Maluf derrotou Mario Andreazza.

No dia seguinte, o PMDB homologou a chapa Tancredo/Sarney. Sarney havia se filiado ao PMDB por exigência da lei eleitoral, pois a Frente Liberal não era um partido

No dia 21 de novembro Maluf apresenta seu golpe definitivo. A direção do PDS dominada por ele e seu Grupo, se reuniu e decidiu pela fidelidade partidária, ou seja, todos os seus membros deveriam votar no candidato do PDS. O PMDB recorreu ao TSE no dia 23 e no dia 4 de dezembro, o TSE decidiu não registrar a ata da reunião do PDS, o que desobrigou seus membros de seguirem as determinações. Com este movimento foi decretada a eleição de Tancredo. Cumpria-se o prometido.

No dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo foi eleito com 480 votos contra 180 de Paulo Maluf, com dezessete abstenções e 9 ausências. Tancredo recebeu os votos do PMDB, da Frente Liberal, do PDT e de dissidentes do PDS e do PT. O PT não participava da aliança e se recusou a legitimar o colégio eleitoral.

O GOLPE

Naquele 14 de março, no restaurante Florentino, que fervilhava, tentava jantar com meu tio José Bacchieri Duarte e família, ele tinha vindo para Brasília assumir a Chefia de Gabinete do futuro Ministro da Agricultura Pedro Simon. Sentávamos em uma mesa a esquerda da porta da entrada, ainda no Bar, porque o restaurante estava lotado.

Eu ainda estava no Governo, os decretos do Presidente de demissão seriam publicados no Diário Oficial do dia seguinte. Ainda era Secretário de Previdência Complementar do MPAS.

Nesse interim entra no Florentino a procura de mesa o Jornalista João Pena, me vê, chama e questiona. Tens alguma notícia? De que, retruco. O Tancredo foi internado no Hospital de Base, mas todo o hospital foi fechado à imprensa, ninguém entra e nem saí, será que foi um golpe? Não creio, respondi, mas vou me informar. Em uma mesa no salão principal, jantavam meu amigo e jornalista Luiz Fernando Levy, um dos donos da Gazeta Mercantil, a atriz Cristiane Torloni e seu namorado, um psiquiatra famoso da época. Me aproximei relatei e questionei se eles sabiam de algo. Nada, brincou Luiz Fernando, isto é boato de vocês que querem continuar no Governo.

Ato continuo fui ao telefone, ficava no fundo do Bar e Liguei para o Dr. Serrão que, como eu, ainda era Secretário de Serviços Médicos Ministério da Previdência. Relatei o fato ao Serrão, de pronto ele me respondeu, estou indo para lá agora, ainda sou cirurgião do Hospital e ex-Diretor e vou conseguir entrar. Te ligo de lá.

Voltei a mesa relatei ao Bacchieri, é trecho de seu livro 100 Anos da Política Brasileira, não acreditou. estava tudo preparado para a festa.

Não demorou muito e nem ficamos aflitos, afinal tudo tinha cara daqueles boatos conspiratórios, foi quando me chamaram do Bar para atender o Telefone. Era o Serrão. Confirmava. O Tancredo estava sendo operado pelo Dr. Pinheiro, é um caso gastro, era grave e não existia a menor possibilidade clínica de que tomasse posse no dia seguinte. Pediu-me que avisasse o Ministro Passarinho (Jarbas). Imediatamente liguei, com sua calma habitual ouviu o relato, agradeceu e fez apenas um comentário: e agora como vai ser?

Logo em seguida a notícia se espalhou. Comentava-se que todo mundo estava reunido no Congresso. Fui para lá, em uma sala que existia contigua ao Salão Verde estava todo mundo reunido, Sarney, Aureliano, Serra, acho que Ulisses, muita gente. Ninguém tinha noção de nada.

Existiam três hipóteses: A constitucional: Vago o cargo, sem possibilidade de ser dado posse ao eleito, por ausência, cumpre-se o interregno de 30 dias, assumido o próximo na linha de sucessão ou seja o Presidente da Câmara, Deputado Ulisses Guimarães e, se, ao final do prazo, ainda permanecer o impedimento, se convoca novas eleições. Outra, seria se convocar uma seção extraordinária do Congresso, para resolver com uma Emenda Constitucional, prescrevendo a alternativa, inclusive podendo ser a prorrogação (alternativa totalmente descartada pelo Presidente Figueiredo que se recusava falar em qualquer continuidade). E uma terceira, sem qualquer previsão legal e constitucional, apenas a Lei Leônidas Pires Gonçalves, que seria a posse do Vice.

Inseguros quanto a capacidade de mobilização e enfrentamento das correntes extremas, a direita e a esquerda, contrárias a eleição de Tancredo e da Frente liberal, sem saber o que esperar do dia seguinte ante a um impasse, optaram pela saída institucional da Lei Leônidas. Esquece-se a Constituição e dá-se, posse ao Vice Sarney.

O próprio Ulysses (tinha medo) defendeu que Sarney deveria assumir. José Sarney assumiu o cargo interinamente.

Figueiredo, não admitiu, era um golpe de estado que estava em curso, tinha lutado pela redemocratização, Sarney não era legítimo, era um esbulho constitucional, se recusou a passar a faixa presidencial.

Os brasileiros viviam o quadro médico de Tancredo, dia a dia. Os boletins médicos lidos pelo jornalista Antônio Brito, Porta-voz da Presidência eram ansiosamente esperados.

Na surdina o PMDB e a Frente Liberal começaram a organizar em caráter definitivo o governo Sarney. O Golpe se consolidava

No dia 21 de abril a morte de Tancredo foi anunciada. No dia 22 de abril o Congresso Nacional se reuniu e anunciou a vacância da presidência, que jamais havia sido constitucionalmente ocupada e seu preenchimento automático pelo vice-presidente José Sarney. Consolidou-se o Golpe.

Sarney falou em rede de rádio e TV e decretou feriado nacional e luto oficial por 8 dias.

O Governo militar acabara. Curiosamente, quem estava no poder era José Sarney e seus aliados, ungidos por um golpe.

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