segunda-feira, janeiro 26, 2009

RETROSPECTIVA DA CRISE

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONJUNTURA ATUAL

Durante os últimos meses, muito se tem dito ou argüido sobre as ocorrências, razões e soluções sobre os movimentos econômicos que abalaram o cotidiano das nações, pessoas e suas economias
Nesta linha as mais diversas abordagens têm sido referenciadas, desde as mais corriqueiras como a simples concessão de empréstimos bancários, até as hoje execradas alavancagens derivadas.
Nesse sentido, acredita a São Carlos Consultoria e Participações Ltda. pertinente apresentar algumas considerações, fruto das observações, estudos e compilações do farto material recentemente produzido sobre o assunto, principalmente tendo em vista o agravamento do ambiente sócio econômico, mercê da recente crise mundial, mais evidente a partir da quebra do banco Lehman Brothers.
RETROSPECTIVA
1964 - 1982
A partir do final dos anos 60, mas principalmente após a última metade dos anos 70, com o início da queda do “Império” Soviético, passou o mundo a experimentar uma crescente onda de progresso.
Embora diferenciados nos modelos de gestão econômica, operados por países desenvolvidos e emergentes, principalmente por estes últimos atuarem com uma centralização política/administrativa em que o estado-empresário dominava as diretrizes da economia, os fundamentos econômicos liberais capitalistas determinaram os métodos de forma bem objetiva na organização das operações e no fluxo de capitais.
Essas ações, principalmente subordinadas à abundância de excedentes financeiros, originados nos petrodólares da pós-crise de 1973, geraram verdadeiros “boons” na economia dos mercados ditos emergentes, incluído a América Latina. Esses fluxos eram obtidos sob as mais diversas formas, desde empréstimos do setor financeiro privado internacional, de recursos diretamente originados de financiamentos de países desenvolvidos, como também das agencias de desenvolvimento multilateral.
O Brasil manteve-se nesta linha de atuação de forma reticente à redução da atividade econômica, uma realidade adquirida pelo mundo ocidental desenvolvido, que a partir do primeiro choque do petróleo, havia optado por uma adequação ao realismo monetário não inflacionário.
Essa atuação brasileira, como dita, encontrava abundância na disponibilidade de financiamentos externos ao setor público, motor que o governo necessitava para manter as taxas de crescimento do PIB em níveis espetaculares, jamais ocorridos em qualquer época da história (multiplicou por três o PIB entre 1968 e 1980 e dívida externa de 8 para 40 bilhões de USD).
A par desta abundância de créditos procurou o governo dotar a política econômica de objetivos concretos de controle de gastos correntes priorizando exclusivamente investimentos.
As combinações de fatores políticos internos, com econômicos externos, na década de 80, deixaram o país totalmente despreparado para enfrentar a realidade internacional à qual os países ocidentais desenvolvidos já vinham se ajustando há algum tempo.
Já em 1982, o Brasil se encontra pela primeira vez com uma grande crise da dívida externa nos assolando da mesma forma que a quase todos os países da América Latina, com processos de moratórias, duras e prolongadas negociações com a banca privada internacional, Clube de Paris, agencias multilaterais, FMI etc.
No âmbito interno, as Entidades de Previdência Privada em processo de regulamentação e adequação estrutural, mantiveram de forma contínua e crescente, um virtuoso apoio ao setor privado através de subscrições de ações e debêntures, foco da resolução CMN 460 e ainda uma base ao financiamento público pela aquisição de ORTN’S.
Estas operações talvez tenham sido, junto com crescente re-estruturação da BOVESPA e BMF, que há época se re-inventavam, o início embrionário do processo de dinamização do Mercado de Capitais nacional, legado pela Lei 6.404/76.
1983 - 1993
Soma-se a esse momento critico o processo de democratização, com o retorno de políticas populistas de duvidosas concessões e com graves conseqüências nos equilíbrios fiscais, às imposições determinantes, rígidas e duras da política monetária do FMI de adequação a realidade econômica e a desconfiança do mercado financeiro internacional.
Neste pacote conjuntural o risco país vai às alturas constrangendo toda e qualquer operação financeira internacional, inclusive para o setor privado, os bancos passam a ser pressionados por seus acionistas, na mesma linha o FED passa exigir rigoroso provisionamento para devedores duvidosos o que inviabiliza os créditos ao setor público.
As poucas operações que ocorrem são com o setor privado e resultado do concurso de garantias externas ao país pela ocorrência de créditos de livre conversibilidade de moedas. Nesta mesma fase o BACEN impõe sérias restrições à repatriação de dividendos o que afugenta de vez o investimento privado externo.
Por paradoxo, no entanto, permanecem inalteradas as linhas de financiamentos de comércio exterior e interbancárias o que possibilitou a manutenção do comércio exterior.
A angústia dos novos governos pós 85, em continuar com a capacidade de investir em infra-estrutura pública e ao mesmo tempo financiar o incrível incremento do déficit público originado do constante aumento de despesas correntes, passa a encontrar nos bancos indescritível criatividade na busca de recursos.
Nessas soluções encontradas, como que sacando de um grande “cheque especial” as contas econômica, social e política seriam empurradas mais uma vez.
Assim de meados dos anos 80 e 90 se vivencia um permissivo financiamento da atividade econômica através do aumento descontrolado do déficit público e operações “criativas” da divida interna e externa.
A inapetência política para o controle do déficit público e a entronização pela Constituição de 1988 do conjunto dos sistemas, fiscal, previdenciário e social, caoticamente estruturados na correspondência de obrigações e deveres, somados a uma série de compromissos estatais sem base econômica real, gerou como conseqüência a hiperinflação.
1994 - 2002
A implementação do Plano Real através dos procedimentos de ancoragem cambial, monetária e fiscal priorizou como meta o combate a inflação.
Nessa linha de atuação, a austeridade e firmeza das políticas de governo promoveram um severo e continuo impacto de contenção aos investimentos públicos, já que as despesas correntes de custeio dos programas previdenciários e sociais são praticamente incontingenciáveis por direitos gerados pela Constituição e praticamente imutáveis na disposição do nível de responsabilidade política vigente.
Esse quase impossível limite de contenção só foi suavizado pelo ingresso de capitais estrangeiros atraídos pelos programas de privatizações e concessões de serviços públicos e empresas estatais e pela rentabilidade das taxas de juros e apreciação cambial movidas pelas firmes atitudes do BACEM.
Nessa atitude os investidores estrangeiros foram acompanhados pelos institucionais, notadamente os fundos de pensão, que tiveram suas estruturas razoavelmente preservadas, apesar de algumas interferências, durante o período anterior, mercê de uma estruturação sólida nos fundamentos de sua constituição a partir da lei 6435.
Nesses movimentos destacaram-se como os de maiores atrativos e perspectivas de crescimento determinados setores muito específicos como, extrativo mineral, energia, metalurgia, telecomunicações e serviços bancários.
Nesse clima de inseguranças, principalmente as geradas por épocas passadas e altas taxas de juros, os investidores tendem a optar por maior liquidez, representados por ativos do mercado financeiro (circulante).
Por outro lado o elevado custo representado pelas consecutivas alavancagens de recursos de terceiros, tem como conseqüência a resistência do setor privado em investir em novos equipamentos, instalações etc. (permanente)
Nessa fase e de novo com episódio das crises asiática e russa, da mesma forma que nas latino americanas de 1980, as instituições internacionais, governos e bancos centrais intervieram salvando os bancos. Foi o início da fase de desregulamentação e eliminação de restrições que datavam da era da Depressão, dando início ao processo de liberalização, negociado pelos bancos centrais sob o acordo de Basiléia II, pelos quais os bancos comerciais foram autorizados a classificar suas próprias exposições de risco.
Desde o ajustamento do Plano Real em 1994 o Brasil voltou gradativamente a operar no mercado financeiro internacional, o Plano Brady iniciou o processo através da emissão de bônus endossáveis, pulverizados pelo mercado de investimentos, listados em Bolsa e comercializados no mercado secundário de títulos (BONDS).
Essas colocações multiplicavam o número de credores evitando qualquer movimento combinado dando maior transparência ao valor das emissões.
A manutenção dos fundamentos econômicos nestes últimos 15 anos de vigência do Plano Real, sem praticamente nenhuma mudança, a adoção do câmbio flutuante, O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO e a lei de responsabilidade fiscal, elementos que só reforçaram as qualidades da política econômica Brasileira, mantiveram aberto e de forma crescente o mercado financeiro internacional ao país, apesar das turbulências mencionadas.
Somam-se a estas atitudes, entre outras, o saneamento do sistema financeiro pelo PROER e PROES, a novações do Sistema Financeiro de Habitação e BNH, a consolidação do endividamento dos estados e municípios e o rígido controle do superávit primário.
Esta atitude Brasileira se engaja perfeitamente no movimento de liberalização global onde os fatos mais marcantes são; a consolidação da zona do Euro, a reordenação econômica da China, o desmantelamento do socialismo Soviético.
2003 – 2009
O governo atual iniciou seu período com uma crise de confiança ligada à sua própria natureza política e discursos de campanha. Sua ação um verdadeiro anticlímax se deu através de, como diz Armínio Fraga, “partindo uma notável dose de pragmatismo: manteve o tripé da responsabilidade fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante. Esta resposta trouxe resultados rápidos, que foram reforçados por uma fase de extraordinário crescimento global”.( “Como Reagir a Crise” do www.iepecdg.com)
No entanto de forma sistemática, a causar apreensão, se iniciou um aumento vertiginoso dos gastos públicos correntes, com a criação de uma série de benefícios sociais de prestação continuada (bolsas etc.) aumento de valores reais dos salários dos servidores públicos, bem como do número efetivo destes, contribuições e auxílios a entidades e dos custos de manutenção dos organismos estatais, inclusive publicidade.
O Brasil se beneficiou de um grande aumento nos preços dos seus principais produtos exportado, de abundante liquidez internacional e de um crescente fluxo de capitais. Por exemplo, o índice CRB de preços de commodities subiu cerca de 100% do final de 2003 ao final de junho de 2008! Este ambiente permitiu uma valorização considerável da taxa de câmbio, que contra o dólar caiu pela metade neste mesmo período. As gestões do Banco Central e do Tesouro permitiram também acumular cerca de USD 200 bilhões de reservas e desdolarizar a dívida pública, notáveis elementos de resistência a choques externos como os atuais.
Esse engajamento gradativo nos últimos 15 anos, na economia global gerou uma dependência interna para o financiamento da atividade econômica corrente dos recursos oriundos do exterior.
Na verdade o que ocorre é que a poupança interna Brasileira é praticamente toda transferida do setor privado ao setor público, para o custeio dos déficits, praticamente não existindo saldos a serem destinados ao financiamento dos investimentos privados e mesmo aos públicos, tais quais os de infra-estrutura, como estradas, pontes, portos, ferrovias, saúde e saneamento entre tantas.
Mesmo os fundos de pensão, ainda hoje o maior grupo de investidores, não detêm praticamente nenhum saldo a ser destinado ao financiamento de investimentos de capital privado, este aspecto só tenderia a melhorar se atentarmos para as recomendações do ex-ministro Pedro Malan “... respeito à eficácia das políticas de competição, regulação e supervisão do sistema financeiro, dos fundos de pensão, do mercado segurador e da concorrência em geral. O nome do jogo aqui – e aonde queremos chegar – é eficiência na regulação e não excesso de regulação” ( “Como Reagir a Crise” do www.iepecdg.com)

A Crise

A credibilidade adquirida pelo que se pode chamar de “marcha constante no caminho certo” entronizada pelo plano real, seguida pelo programa de privatizações etc. GEROU UMA INÉDITA ABERTURA DA ECONOMIA ao capital globalizado e pavimentou o terreno para a importação pelo mercado brasileiro da bolha especulativa, acompanhada de todos os seus mecanismos exóticos.
Acrescenta-se a este como escreve Edmar Bacha no livro “Como Reagir a Crise” do www.iepecdg.com :” até recentemente, o ritmo de crescimento da demanda interna e o descompasso das políticas monetária e fiscal eram tais que prenunciavam uma séria crise de balanço de pagamentos mais à frente.
O crescimento da demanda interna de bens e serviços a uma taxa muito superior à de sua oferta tinha como resultado uma progressiva redução do saldo da balança comercial, porque reduzia o excedente exportável e aumentava o apetite pelas importações. Essa deterioração do balanço comercial era apenas mitigada por um “boom” dos preços das commodities exportadas pelo país.
Recentemente, as exportações vinham crescendo apenas por causa desse efeito preço, já que a quantidade de bens exportados estava tendendo a estagnar-se.
A resposta de política econômica para esse excessivo crescimento da demanda interna vinha sendo uma política monetária cada vez mais apertada. A política fiscal não exercia qualquer papel anti-cíclico. Ao contrário, reforçava a expansão da demanda do setor privado. Uma conseqüência dessa combinação de políticas (moeda apertada e gastos em expansão) era apoiar a tendência à apreciação do Real que provinha da melhoria dos preços em dólares das exportações. Pois juros reais elevados induziam tanto à entrada de capitais especulativos estrangeiros como à expansão de operações locais com derivativos cambiais – ambas destinadas a aproveitar (ou mitigar) a diferença entre juros domésticos e externos – num processo que alimentava a tendência à apreciação cambial.
Essa trajetória da economia somente se sustentava por causa do “boom” das commodities e da abundante liquidez internacional, que geravam oferta de dólares mais do que suficiente para financiar o balanço de pagamentos – de fato permitindo uma significativa acumulação de reservas internacionais pelo país”
Aqui não se pretende esgotar o assunto, até porque no livro do www.iepecdg.com que se referencia de forma indiscutível aborda com excepcional abrangência a questão.
Na verdade o que se verifica é um conjunto escasso de opções, pois o que se constata do quadro atual é que deve piorar, apenas se discute é quanto.
O Brasil, no entanto tem uma rara oportunidade de desenvolver posturas políticas que por certo se adotadas, ao final o país sairia com ganhos consideráveis deste episódio.

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