segunda-feira, janeiro 26, 2009

Retratos da Crise

Retratos da Crise
· US$12 trilhões total de dívidas hipotecárias nos Estados Unidos.
· O estoque financeiro mundial – o total de depósitos bancários, títulos de dívida privada, dívidas governamentais e participações acionárias— passou de US$10 trilhões em 1980, próximo do valor do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, para US$200 trilhões em 2008, quase quatro vezes o PIB mundial.
· As reservas de divisas dos governos passaram de US$910 bilhões em 1990 para US$ 5 trilhões em 2006.
· Os ativos internacionais dos bancos subiram de US$6 trilhões em 1990 para US$40 trilhões em 2008.
· O volume diário dos negócios nos mercados internacionais de divisas cresceu de $200 bilhões na década de 1980 para $3,9 trilhões no mês de julho. Esses negócios incluem o chamado "carry trade", em que investidores tomam empréstimos em mercados com juros baixos, como Japão e Suíça, e depois aplicam esse dinheiro em países de juros altos, como o Brasil e a Turquia. Em 2007, cerca de $1 trilhão foi emprestado no Japão, onde os juros ficaram perto de zero desde o começo da década de 1990.
· O aumento da escala das atividades financeiras, aliado à queda dos custos das transações, atuou como o vento que empurrou o barco adiante em uma poderosa onda de crescimento econômico, criação de novas riquezas, disseminação de novas tecnologias, melhora dos níveis de vida, expansão do comércio, integração da economia mundial e consolidação de valores de justiça social.
· O PIB per capita mundial cresceu mais nos últimos cinco anos que em qualquer qüinqüênio já registrado.
· No Brasil, Patrícia Mota Guedes e Nilson Vieira Oliveira, realizaram pesquisa de campo na periferia de São Paulo sobre a “Democratização do Consumo” (Braudel Papers No. 39/2006), que constatou:
o Nos últimos dez anos, as famílias brasileiras de baixa renda passaram a consumir cada vez mais bens e serviços antes exclusivos das classes médias e altas. Geladeiras duplex, telefones celulares, carros, passagens aéreas e pacotes turísticos, cartões de crédito e produtos de marca já não são mais sonhos impossíveis para as famílias pobres.
· Nos últimos dois anos, mais de 20 milhões de brasileiros ascenderam dos degraus mais baixos da escala econômica – as classes D e E, no jargão do marketing — para ingressarem na classe C, que hoje abrange 86 milhões de pessoas com renda familiar média de US$600, formando o maior segmento da população brasileira e o que cresce mais rapidamente.
· O consumo tomou o lugar das exportações como principal motor do crescimento econômico do Brasil.
· O consumo crescente vem navegando num mar de crédito fácil, que faz parte da proliferação mundial de ativos financeiros. Desde 1999, os empréstimos pessoais concedidos por bancos se multiplicaram por nove, passando de R$40 bilhões (US$22 bilhões) para R$357 bilhões (US$224 bilhões).
· Os cartões de crédito passaram de 119 milhões em 2000 para 466 milhões em 2008, chegando à média de mais de três cartões para cada um dos 140 milhões de adultos brasileiros. As pessoas usam cartões de crédito para comprar alimentos e remédios, sendo metade dessas compras pagas em prestações. Em um mercado que movimenta US$150 bilhões por ano e cresceu 17% no ano.
· A inadimplência vem subindo para 7% sobre empréstimos pessoais e 13% sobre bens de consumo duráveis. Pode aumentar ainda mais à medida que a recessão vai forçando as famílias de baixa renda a optar entre satisfazer suas necessidades básicas e saldar suas dívidas.
· As pessoas pobres medem o tamanho de suas prestações comparado a sua renda mensal, ignorando que, quando as prestações tiverem sido saldadas, terão pagado duas ou três vezes o preço à vista dos bens. O economista Eduardo Giannetti argumenta que esse tipo de crédito ao consumidor “é uma prática abusiva que tira vantagem da incapacidade de pessoas de baixa escolaridade de compreender realidades mais complexas”.
· Em relação ao PIB, a dívida privada no Brasil é baixa (40%) comparada à da zona do euro (116%), dos Estados Unidos (201%) e do Japão (419%) – mas a dívida pública é (60%) maior que a americana (40%).
· O aumento dos ativos financeiros em proporção ao PIB espalhou-se para muitos países. Em 1990, apenas 33 países possuíam ativos financeiros que superavam seus PIBs. Em 2006 esse número mais que dobrara, chegando a 72 países. Os ativos no Brasil se multiplicaram por sete desde que sua economia se estabilizou, em 1995, chegando a 257% do PIB.
· Os fluxos de capital dos países exportadores de petróleo quadruplicaram, de US$108 bilhões em 2002 para US$484 bilhões em 2006. A US$100 por barril, seus ativos internacionais eram projetados pelo MGI para crescer de US$4,6 trilhões em 2007 para até US$12,2 trilhões em 2013. Os governos e pessoas ricas dos países exportadores de petróleo são pressionados a enviar seu dinheiro ao exterior pela escassez de oportunidades em seus mercados domésticos.
· Com a queda dos preços, voltando a padrões históricos, estes recursos desaparecem.
· A intensificação da atividade financeira provocou o superaquecimento da economia mundial. Agravando as diversas limitações de capacidade de prestação de serviços e suprimento de bens, que foram se multiplicando nos últimos anos. A demanda crescente e os investimentos insuficientes em infra-estrutura levaram a episódios cada vez mais freqüentes de falta de eletricidade e de congestionamentos em portos, aeroportos e nas ruas das cidades, como evidentemente se observa.
· Entre 2001 e 2007 aproximadamente US$3 trilhões em riqueza foram transferidos dos consumidores de petróleo para os produtores e que essa transferência está se acelerando, chegando hoje ao valor anual de US$1,8 trilhão, ou 3% do PIB mundial.
· A situação financeira atual são uma reencenação, em escala muito maior, da crise asiática de uma década atrás, que também envolveu ativos financeiros inflados, mas em locais diferentes.
o As recomendações foram:
o Fortalecer os sistemas financeiros nacionais, passar das taxas de câmbio fixas para flutuantes, para que os países pudessem melhor absorver os choques econômicos e melhorar a governança das empresas.
· Com os superávits conquistados com a rápida expansão do comércio mundial nos últimos dez anos, os países em desenvolvimento até agora vinham sofrendo menos crises financeiras. Suas reservas oficiais hoje chegam a várias vezes mais que a capacidade de empréstimo do FMI, tanto que vários deles se tornaram credores líquidos.
· O Brasil se tornou uma nação credora pela primeira vez no início deste ano, quando sua reserva de divisas (US$200 bilhões) superou sua dívida externa (US$198 bilhões)
· Não havia pressão para mudanças – não em Washington, que estava gastando dinheiro e mantendo os impostos em nível baixo, não em Wall Street, que estava nadando em dinheiro, e não entre os consumidores, com indivíduos desfrutando de crédito fácil e os preços dos imóveis residenciais em alta.
· Joseph Schumpeter definiu o capitalismo como “a forma de economia de propriedade privada em que as inovações são realizadas por meio de dinheiro emprestado que, de modo geral, embora não por necessidade lógica, implica na geração de crédito”
· Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, diz que muitos ciclos anteriores de crescimento acelerado seguido por queda abrupta “foram movidos por inovações tecnológicas – quer fossem a ferrovia ou a Internet — e podem gerar bolhas, fraudes e eventuais perdas. Mas também são movidos pela inovação real.
o A inovação, neste caso, foi financeira. Passamos de um sistema em que os bancos guardavam ativos para outro em que os bancos originam ativos e então os ‘securitizam’ e distribuem.”
· Desde 1993, os valores vendidos em securitizações subiram de US$1 trilhão para US$12 trilhões. A securitização é feita em grande escala e os ativos deixam de serem confiáveis, então os problemas multiplicam-se rapidamente
· O superboom chegou ao clímax enquanto os ativos financeiros nos Estados Unidos, com 56% do total mundial, cresceram de cerca de 450% do PIB em 1980 para 1.000% em 2007
· Entre 1993 e 2006, o passivo financeiro das famílias americanas subiu de 89% para 139% da receita pessoal disponível. As pessoas tomavam segundas hipotecas sobre suas casas e também contraíam empréstimos, dando o valor de suas casas como garantia, acreditando que a valorização dos imóveis residenciais continuaria por tempo indeterminado. Os saques contra o valor de suas propriedades chegaram a quase US$1 trilhão em 2006, ou seja, 8% do PIB, um valor superior ao déficit de conta corrente dos EUA. Agora a inadimplência sobre empréstimos imobiliários residenciais, dívida de cartões de crédito, financiamentos de construtoras e de automóveis está subindo.
· A maioria das crises bancárias internacionais começou nos grandes centros financeiros, como Londres em 1825-26, Áustria/Alemanha em 1873 e Wall Street em 1929 e 2007. Algumas porém estouraram em economias emergentes, como a Argentina na crise do Baring, em 1891, e a crise asiática de 1997-98.
· A posição líquida de investimentos dos EUA tornou-se negativa em 1986, tendo a balança negativa crescido rapidamente desde 1999, passando de US$800 bilhões naquele ano para US$2,4 trilhões em 2007, o país tornou-se devedor internacional. Os títulos do Tesouro americano em mãos estrangeiras vêm aumentando em 10% ao ano, dos quais a metade em mãos do Japão e da China. Os déficits acumulados de conta corrente sobre comércio em bens e serviços somam US$5 trilhões desde 1999, um terço do PIB de 2007.

A tarefa hoje é combater as distorções financeiras de modo a prevenir outras desordens e consolidar o progresso conquistado nas décadas recentes.

(A maioria dos dados precedentes tem como fonte: Braudel Papers; BACEN)

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