Lula e a arca perdida
Carlos Marchi
Existe um progressivo e abismático descompasso entre a intenção de voto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a do PT. Não é de hoje, mas depois do escândalo do mensalão, do qual Lula escapou chamuscado e o PT saiu mutilado, o fosso aumentou. Pela força do seu notável carisma ou pelo efeito dos recursos populistas que tem usado desde a campanha de 2002, Lula é infinitamente maior do que o PT - e a cada dia fica maior ainda.
Por causa disso, está à frente das pesquisas com uma margem até aqui confortável, enquanto o PT tem uma participação discretíssima no mapa eleitoral, mesmo sendo o partido de um presidente que se elegeu com facilidade, envolvido em um clima empolgante, nas eleições de 2002 e que agora completa um ciclo de governo. Era para o PT estar bombando nas eleições majoritárias dos Estados e nas eleições legislativas.
Nas eleições majoritárias, o PT tem dois candidatos favoritos - em Sergipe e no Piauí (este, pendurado por fio de aranha depois de atingido pelo escândalo dos sanguessugas); tem candidatos competitivos no Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco (outro que, provavelmente, também será abatido em pleno vôo pelos mísseis sanguessugas). É só. E é muito pouco para comparar com a metade das intenções do voto nacional que Lula ostenta sozinho.
No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, as intenções de voto dos candidatos do partido desse presidente que tem mostrado tanto tutano eleitoral não passam de um dígito; em São Paulo, berço do PT, o candidato mal chega aos 17%. Estamos falando, aqui, dos três principais eleitorados regionais. Em muitos Estados importantes o PT nem sequer lançou candidato, um pouco por causa da devastação causada pelos escândalos do mensalão, um pouco por falta de lideranças disponíveis, um pouco por causa de acordos políticos feitos para facilitar a trajetória nacional de Lula.
No campo legislativo, o PT, que em 2002 elegeu 91 deputados federais, surfando a onda lulista, agora dificilmente passará dos 60 deputados; há quem sustente, com boas razões, que o número não passará de 50.
A aparência é que tudo foi planejado e está sendo agora pavimentado para propiciar um trajeto eleitoral o menos sacolejado possível para Lula. Mas a pergunta que brota dessa questão é: como é que Lula vai governar com uma bancada que representa 10% da Câmara?
O cenário que temos hoje aponta que São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco não serão favoráveis ao PT. O partido não tem candidato no Paraná. Perderá o Mato Grosso do Sul, que governou por oito anos, com a ajuda do banzo da reeleição.
Onde Lula vai arregimentar forças para enfrentar uma possível aliança dos governadores dos Estados fortes detendo apenas os governos de Sergipe, Acre, talvez Piauí e, possivelmente, em aliança, o Ceará? Novamente, é pouco, muito pouco.
Uma razão maior que todas pode explicar por que Lula, um líder carismático e populista, consegue sempre pairar sempre bem acima do seu partido. Essa explicação chama-se voto personificado. O brasileiro, lamentavelmente, ainda vota em pessoas, não em partidos.
É bem possível que Lula tenha perdido a notável chance de, generosamente, abrir mão de uma parcela do espaço que ocupa com sua liderança personalista e construir um partido enraizado e definido ideologicamente, depurado dos seus incômodos antigos radicais, enquanto governou o Brasil. Claro, isso não foi possível por várias razões e a principal delas é inquestionável e foi insuperável - a depuração forçada que os escândalos de corrupção fizeram no partido, degolando os seus principais dirigentes, aqueles que poderiam dividir com Lula a modelagem futura do PT.
O fato é que o abismo entre Lula e o partido cria algumas sinalizações. A primeira - e mais delicada - é que, se eleito em outubro, ele terá mais dificuldades para governar do que teve a partir de 2003. A segunda é que perdemos uma valiosa contribuição para termos partidos fortes, capazes de criar vínculos estruturados com o eleitorado e estabelecer uma gangorra da alternativa real de poder. E a terceira é que adiamos para muito mais além o sonho de dar uma melhor consistência à educação política do brasileiro.
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