segunda-feira, janeiro 24, 2022

As proibições emotivas, inócuas, ineficazes e autoritárias.

Recentemente algumas notícias, comentários e proposições legislativas, me recordaram e fui pesquisar um fato que ocorreu no início do século passado que se não fosse trágico seria cômico. Uma próspera e pujante cidade do interior, despertando para o século XX prometia. Tecnologia, ciência, desenvolvimento, a República chegara com suas promessas de modernidade, a riqueza era conseqüência do trabalho, do progresso positivista, o futuro era o presente. Um habitante ilustre, filho de família tradicional - origem e berço - médico brilhante, humanista dedicado, a todos atendia; pobres, ricos, indigentes, negros libertos, não havia distinção. Criara o pavilhão de atendimento aos tuberculosos – o mal do século – melhor ser humano não poderia existir, expressava o que de mais perfeito se via na sociedade. Numa noite em que saia do Clube, após, ao que se lhe atribuía como único pecadilho - um paciente jogo de cartas e algumas bebericadas de um ótimo bordeaux e alguns brandyes – um trágico acidente. Ao se despedir do porteiro, não notar seu discreto aviso de: “cuidado doutor” e atravessar, como sempre fazia, a rua, foi colhido por uma jardineira – que era como se chamavam os pequenos caminhõezinhos derivados dos calhambeques da época – morreu na hora. Conta a lenda que em seu último semblante expressava um sentimento de espanto e perplexidade. Comoção na cidade. Já pela manhã, o jornal local em edição extraordinária exibia a manchete em letras garrafais, “MORREU O DOUTOR” vitimado por um louco em sua máquina diabólica, entre o obituário, artigos, notas de pesar e tudo que se aplica em situações semelhantes, pediam-se às autoridades providências e exemplar punição. Os funerais foram comoventes. O esquife com o brasão da família, ornado pelos pavilhões do seu clube, da cidade, do estado e da república, foi exposto à visitação do público no salão nobre da Prefeitura. O povo fazia fila para levar sua última reverência, os desmaios, convulsões e choros eram permanentes. O cortejo fúnebre que o levou em sua última jornada, foi algo espetacular, a carruagem em preto, puxada por seis soberbos cavalos brancos, percorreu as ruas para o último adeus da população a seu mais querido filho, parava em cada esquina para manifestações. Abriram-se os devidos procedimentos legais - apuraram o que já se sabia – o algoz tratava-se de um entregador de produtos originados no interior, que precisava chagar cedo ao mercado para abastecer a mesa matutina da já exigente burguesia. Mas as autoridades não se fizeram por esperar. Reunidos no dia seguinte, o Prefeito propôs e os vereadores aprovaram em emocionada seção uma lei. Estava proibida a entrega de mercadorias no perímetro urbano por veículo movido por máquinas, somente sendo permitida a tração humana ou animal, revogando-se as disposições em contrário. Obviamente, como se observou, esta lei não evitou os futuros acidentes e obviamente não “pegou”. Espantamo-nos? Não. Na atualidade, neste início de século XXI, continuamos a ver o mesmo tipo de absurdo. Em recentes iniciativas legislativas a ANVISA, e outras instituições, com o pretenso objetivo de diminuir o número de queimados, querem proibir, no varejo, o comércio do álcool líquido envasado, só o permitindo a granel nos 30.000 postos de combustíveis. Mas não é novidade. No porto do Rio de Janeiro, com o intuito de proteger a mão de obra escrava, já foi proibida, internamente, a roda, os veículos não podiam transportar carga, só a força humana por arrasto. Ary Alcantara

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