Estelinha,
Este é um capítulo de um conto que ambiento no período Vargas - é apenas a "heroína" no dia da morte de Getúlio.
Naquela manhã acordou lenta. Sempre despertava com sono, com
uma vaga sensação de esquecimento, mas num impulso pulava da cama com a
urgência dos atrasados, muito embora sempre estivesse pronta, hoje era
diferente.
Levantou. Olhou-se no espelho. Algo vago, de meio tamanho,
de cantos enferrujados que emolduravam a carcomida cômoda de origem indefinida,
único móvel, além da cadeira e da cama a mobiliar o modesto quarto, da pequena
casa de porta e janela no meio da rua ..... travessa ...do no bairro da Lapa.
Despiu a camisola de algodão, deixou que lhe caísse aos pés,
não se moveu, lentamente passou as mãos pelos cabelos como se os arranjasse,
percebeu seus olhos estavam brilhantes, as naturais olheiras do despertar
pareciam contrastar com castanho profundo da cor da íris. Gostou.
Gostou da aparência, não se acreditava bonita, achava seu
rosto comum igual ao de tantas que se viam pelas ruas, não era clara, nem
morena, as feições eram suaves, a boca, com dentes perfeitos, era ornada por
lábios carnudos que procurava disfarçar com um batom suave, as maças do rosto
um pouco salientes se compunham bem com um queixo proporcional, os cabelos
castanhos, quase negros, levemente encachiados lhe davam um ar nativo, produto
da mestiçagem brasileira.
Baixou os olhos ao colo, observou que firmes brotavam os
seios, não eram grandes nem pequenos nas aureolas médias a cor marrom arroxeada
brilha ao redor dos mamilos. Sempre fora
seu orgulho, cuidara deles na intimamente, era seu segredo, a postura ereta,
permanente mantida, era algo natural. Era seu fetiche. Recordava-se daquele dia
de verão que saiu para o trabalho e deixara propositalmente o sutiã em casa, apenas
com a blusa de seda a cobrir-lhe, emoldurada por um pequeno casaquinho de
linho, se sentindo literalmente nua. Olhara na volta, será que notariam?
Não, mas também não repetiu a audácia. O roçar livre da seda
sobre os mamilos a levaram a uma sensação que não tinha coragem de repetir, se
sentira plenamente excitada, mulher.
Baixou mais o olhar, viu o pequeno ventre chato,
alargando-se para as coxas, e brotando o belo tufo de pelos pretos. As pernas
fortes, talvez demais, pensou, formadas nas intermináveis caminhadas pelas
ladeiras cariocas, também lhe agradava, gostava quando via os homens torcer o
pescoço para tentar adivinhar algo que vinha acima dos joelhos. Puxava nestas
horas discretamente a saia, mas sempre um pouco tarde, generosamente deixando
segundos de deleites a seus admiradores, breves amantes, voyeurs de
segundos.
Estes segundos eram seus. Perfeitos. Sozinhos. Logo passavam.
Num apressado movimento buscou o robe em cima da cadeira,
vestiu, pegou a toalha e a bolsinha com o sabonete, shampoo, etc. tudo que
necessitava para sua toalete matutina e abrindo a porta caminhou apressada ao final
do corredor, para o único e modesto banheiro da casa. A rapidez era necessária, pois a lentidão a
colocaria na fila. Ganhou a corrida. Ainda ouviu um poxa de alguém que se
atrasava.
Deixou a água escorrer pelo corpo lentamente, ensaboou os
cabelos o resto do corpo demorando-se um pouco entre as pernas as nádegas e os
seios, a bucha usou nos pés.
Enxaguou-se lentamente, fechou a torneira morna e
permitiu-se sentir, num arrepio, a água fria escorrer. Neste momento, algo lhe
chamou a atenção, um burburinho estranho soava. Algo não usual, afinou os
ouvidos, afinal naquela casa tudo se ouvia, estava estranho, parecia que todos
falavam ao mesmo tempo, o rádio mais alto que de costume trombeteava um
noticiário ininteligível.
Enxugou-se mais rápido que de costume, enrolou a toalha
sobre os cabelos, juntou suas coisas, calçou os chinelos e saiu. No corredor
encontrou a mãe.
- Mãe o que está havendo? Esta barulheira toda!
Só ai, a observou. Os olhos cheios de lágrimas e a expressão
de terror e espanto. Mãe o que aconteceu? Perguntou.
- Então não sabes?
- O Getúlio se matou! Exclamou.
Não, não podia, não era verdade, algo estava errado era mais
alguma do Lacerda. Refletiu.
Não tinha havido aquelas histórias do Gregório Fortunato, da
morte do Major Vaz, tudo intriga. Ela sabia dos fatos e isto não combinava.
Todos falavam, choravam.
Em um frenético voltou ao quarto. Por impulso pegou a
calcinha, o sutiã, a combinação e um vestido, maquiou-se levemente, penteou os
cabelos, botou um prendedor num coque, calçou os sapatos de salto sem meias e
estava pronta. Saiu. Um beijo na mãe, completado por um: ”não chora e tudo vai
ficar bem”. “Vou até a cidade, na repartição e lá devo saber direito das
coisas”.
Pegou o bonde, as expressões eram as mais diversas. Em algum
momento falava-se muito, em outro um silêncio.
Nas lojas, padarias, quitandas em todas as partes as pessoas
aumentavam o volume de seus rádios.
Estavam em desespero, o Rio de Janeiro estava em polvorosa,
o povo na ruas estava perplexo, a morte do “homem” detonava na população
sentimento de revolta e consternação. Grupos se juntavam conversavam, o choro
era convulsivo.
O Getúlio era permanente, todo mundo há mais de 20 anos
tinha se acostumado com a vulto do “velho”, em todos os lugares estava sua figura,
tinha a música: “bota o retrato do velho,
tira o retrato do velho, deixa no mesmo lugar”
.
Ela chegou no prédio da Avenida Antônio Carlos onde
trabalhava. Todos iam para todos os lugares. Entrou no elevador. O ascensorista
fechou a porta pantográfica, cuidadosamente polida em dourado, puxou a manivela
pondo-o em movimento e, num arranco, com ar de espanto, falou: “Dona Estelinha
a senhora já soube? Inquiriu. Ele mesmo respondeu: Mataram o Dr. Getúlio”. Ah
então foi isto? Já Imaginava. O Boato do suicídio era coisa da oposição. Então,
agora eles vão ter que se entender com o povo.
Nesta hora a porta do elevador foi aberta, saiu ao vestíbulo,
arrumou a saia, passou a mão nos cabelos e entrou olhando, triste, compungida,
mas firme sem ser altiva, na sua sala, a procura do olhar dos colegas.
Foi aí que notou que alguma coisa não era verdade.
Eram 9 horas. A carta testamento era lida, por Oswaldo
Aranha na Rádio Nacional em repetido, era um manifesto, uma bandeira de luta, o
trabalhismo, contra os “monopólios estrangeiros” entregava seu cadáver aos seus
detratores. Saia da vida para entrar na história
No semblante de todos se confirmava a tragédia. Getúlio
tinha se matado com um tiro no coração. A filha Alzirinha tinha confirmado,
Se fosse assassinato teriam os inimigos, o povo se
revoltaria, massacraria a direita, mas suicídio.... Na cabeça dela algo não
fechava.
Ocorriam manifestações, grupos
populares indignados, vandalizavam a cidade, com paus pedras ateando fogo ao
material das oposições. Tentaram invadir os jornais O Globo e Tribuna da
Imprensa, se dirigiram ao Catete, agredindo na passagem a Embaixada Americana e
apedrejaram a ESSO. Foram contidos pelos militares.
No dia seguinte rapidamente o
corpo foi para São Borja.
Em outros estados também houveram
manifestações, maiores ou menores, todas contidas.
Os Comunistas foram os mais
surpreendidos, se antes atacavam Getúlio e namoravam com um golpe, agora
estavam sem saber o que fazer. No final acabaram apoiando Juscelino em 1955.
Café Filho assumiu e montou um
Ministério anti-Vargas, com figuras como Prado Kelly, Eugenio Gudin, Eduardo
Gomes, Lott, Juarez Távora, entre outros.
O golpe estava liquidado, isto ela sabia, mas até quando.
Neste momento sentiu uma náusea correu ao banheiro, vomitou.
Só voltou a si quando ouviu a voz nas suas costas de Dona Estrela. Está se
sentindo bem minha filha? Não é nada. Respondeu. Neste momento já refeita falou:
Que horror! O que será de nós! Dona Estrela do alto de sua calma argumentou,
tudo ficará igual, não se amofine já vi outras vezes. Vamos trabalhar.
Passou uma água no rosto recompôs a maquiagem e voltou à sala de trabalho. Logo veio a notícia, os funcionários estavam liberados.
Dona Estrela com as recomendações de praxe, dispensou todo
mundo.
Saiu para rua determinada, já não era a funcionária
burocrata do IAPC, mas a agente Rita e precisava explicações.
(Continua no próximo capítulo)
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