Vai faltar comida
Hoje, em artigo no Jornal O Globo, o Jornalista C. A. Sardemberg faz uma avaliação sobre a perspectiva de falta de alimento às populações em geral.
Estas suas colocações me fizeram recordar uma época, costumes e procedimentos, há não mais que cinqüenta anos e que cada vez mais parecem perdidos no tempo e na história, quase um reflexo arqueológico.
Há época, possuía meu pai modelo de empresa agropecuária no RS onde se dedicava de forma intensa à pecuária, de corte e leite e a ovinocultura de lã e carne, a agricultura de grãos e a produção de sementes de forrageiras.
Pretendia ele, já há época, uma abordagem técnica moderna da atividade rural.
Entre outras iniciativas lembro com destaque:
- · A ordenha mecânica das vacas de leite e o controle de produtividade do rebanho, se não era a primeira iniciativa se ressalta pelo tamanho, mais de 2 mil cabeças de matrizes controlas, com reprodução assistida por inseminação artificial.
- · O trabalho experimental da lavoura de forrageiras, consórcio de Trevo Branco, Azevem e Cornichom, além trigo, soja, milho para silagem, uma das primeiras do estado, contemporânea do surgimento do experimento pioneiro da Fazenda Cinco Cruzes em Bagé. Ressalta-se a soja, pois foi na época em que se originou o cultivo desta leguminosa no Brasil. Outro ato pioneiro foi a produção das sementes selecionadas de “Cornichom”.
- · O financiamento próprio de pesquisas agropecuárias quando ainda não existia a EMBRAPA,
Mas, lembro-me principalmente das imensas áreas de cultivo de arroz de várzea irrigado quase 2.000 ha.
A água captada em rios e açudes era elevada por bombas gigantescas, movidas a motores dieseis, para canais de distribuição. Toda a lavoura era nivelada através de um processo contínuo em curvas de nível, com a água retida por “marachas” e conduzidas em pequenos canais regulados por trabalho manual com pás. Este processo permitia que as plantas fossem mantidas de forma permanente, até o amadurecimento dos grãos, imersas em lâmina d´áqua cobrindo integralmente o sistema radicular em no mínimo 15 cm.
Este controle de volume de água era essencialmente manual e função de previsões “sensoriais” do tempo. A ocorrência de secas e excesso de chuvas eram desastres sem previsão.
O preparo do solo era feito pala lavra do campo através de arados conduzidos em sua grande maioria por juntas de bois manejados, em geral, por dois peões (tratores eram importados e caros), que poderiam variar de duas a quatro parelhas, dependendo da dificuldade.
A colheita era manual por ceifa com foice no caule, agrupadas em “medas” que recolhidas eram transportadas em carretas puxadas por cavalos às trilhadeiras, que separavam os grãos da palha, esta agrupada em grandes montes era a “Disney” da gurizada.
Estas palhas, mais o que restavam nas lavouras, que sofriam um rodízio de 4 em 4 anos, serviam para manutenção de bois de trabalho e dos outros animais de tração.
Após a colheita dos grãos o gado de corte, que se preparava para o abate em frigoríficos, era pastoreado nos restos (restavas) das lavouras colhidas para a terminação de engorda.
Os grãos com casca eram transportados aos engenhos para secar, descascar e polir, se fosse o caso, preparando para o consumo.
Os trabalhadores em sua grande maioria eram contratados por safra - não existia a legislação trabalhista - formavam verdadeiras legiões, se alternado como maracheiros, condutores de carretas e arados de bois, carroceiros ceifadores etc. Tratoristas, operadores de máquinas mecânicos etc., eram muito poucos e faziam parte do quadro permanente.
Todos tinham na propriedade suas casas vilas e acampamentos onde lhes era facilitado assistência médica, religiosa e escola para os filhos. Supria-se ainda de forma subsidiada carne que era obtida com o abate para o consumo interno de animais do rebanho próprio.
Obtinha-se uma produtividade máxima quando as condições do clima ajudavam de 2 toneladas por ha. Muitas vezes não se conseguia compradores ou preços, dão que a infra-estrutura de comércio era precária ou inexistente. Financiamento? Nem com milagre.
A inflação, galopava e... etc. É melhor nem lembrar.
Hoje, só para citar algumas mudanças:
· A lavoura é marcada por satélite com referências em GPS, um programa de computador estabelece as curvas de irrigação, lavração, plantio, adubação, etc.
· Os tratores com cabines climatizadas são programados com base nas referências de GPS. Os controles de pragas são feitos por pulverizações aéreas.
· A irrigação é toda controlada por uma central computarizada conectada em satélites de posicionamento e com sensores no campo.
· Os trabalhadores moram nas cidades próximas e seus filhos freqüentam escolas públicas e tem tratamento médico governamental.
· A comercialização da safra é garantida e existe seguro contra intempéries etc, o financiamento é oficial e feito com juros subsidiados.
· A produtividade é de mais 8 toneladas por há.
· Temos controle de inflação e Banco Central.
Estas são conquistas técnicas e políticas que com certeza se multiplicam por quase todos os países democráticos e capitalistas do mundo. Garantem que se os governos com suas corrupções e soberbas ou alguma ONG sabida não atrapalharem, não vai faltar comida.
Podem faltar outras coisas... e muito, mas é melhor não lembrar.
Mas é fundamental saber quem começou.
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